Amizade Intrínseca
Não, nunca tinha pensado sobre isso, pelo menos não até o desafio ter-me sido lançado.*
Mas você tinha alguma ciência. Afinal, sempre estive presente. Desde que me conheceu!
Sim, mas acreditava que tua existência era um resquício da percepção em direção ao amanhã, não a memória essencial de um ente eterno.
Ah! Sim, e tampouco eu, quando nos conhecemos, tinha ciência de tua capacidade de viajar dessa forma.
Sim, mas é uma viagem limitada.
A que? Ao passado você não depende de mim, mas sempre estarei lá quando precisar, como uma âncora em um porto seguro, assim como fiz várias vezes. Mesmo que não tenha percebido!
E desde quando aquele lugar foi um porto seguro?
Teus pais fizeram-no assim para você. Para nós. Eles podem ter pecado em manterem-se por lá. Em te prender por lá, pelo tempo que conseguiram. Mas, por mais doído que tenha sido, isso te garantiu a vontade de se alçar além, de desenvolver essa tua característica. Essa nossa característica.
Mas e quanto à limitação imposta? Ao preconceito, ofensas, falta de incentivo, descrédito. Um local limitado que, por mais que o tempo tenha passado, se mantém no passado, por mais que surgiram outras culturas, se mantém com a mesma prática monocultural e com o mesmo comportamento ofensivo em relação àqueles que propõe um ambiente multicultural.
Sim, uma bolha no passado, para te manter atento, uma âncora para que você consiga se orientar e saber onde está! Veja o quão longe chegou! Eles irão continuar te tratando da mesma forma estranha, mas porque eles não tem a capacidade de compreender o que você se tornou, de compreender o que você compreende. E isso é a vontade deles, não culpa tua. E se distanciar disso, dessa condição, similar à em que eles estão, estáticos, incapazes de se adaptar, literalmente abandonados pela evolução, como teorizada, é decisão tua… é decisão nossa!
E essa impossibilidade de sair, nesse período, tem me sido uma âncora a essa situação.
Mas você tem como sair disso, no momento passamos por essa pandemia, e o país sendo considerado pária serve como argumento para facilitar a aceitação em locais melhores. O passado pode estar fixo, pode ser apenas um momento a ser visitado, mas essa característica desenvolvida te fez perceber a capacidade de viajar ao futuro. Tua capacidade de extrapolação e especulação, alimentadas pela forma como desenvolveu a racionalidade. E ainda relacionada à tua sensibilidade, que os outros não conseguem perceber. Isso tudo te coloca nas três direções possíveis. E as duas divergentes você sabe controlar o desvio! Mas os resultados não vem sem um esforço!
A manutenção da direção, e o desvio para pior ou melhor, para mais rico ou mais humano, para mais egoísta ou mais solidário, mais competitivo ou mais cooperativo. Todas dimensões futuras.
Afinal, o que é o tempo senão a ciência de momentos percebidos?
E o que é a imortalidade senão a manutenção da memória?
Um te ajuda a definir o diferencial.
O outro, a traçar teus planos.
Não há como viver adequadamente sem ambos.
Mesmo embora muitos vivam.
Poderíamos dizer que sobrevivem.
Sim, a sobrevivência é a vivência unicamente do presente, no presente.
E por mais que muitos se contentem com isso.
Para os que percebem a maravilha da totalidade.
Chega a ser triste, não?
Como uma poesia… do Mal do Século…
Mas eu gosto do Mal do Século. De Álvares de Azevedo!
Sim, porque reconhecemos um potencial “eu” neles, triste pelo que são, mas feliz pelo que nos tornamos.
Você, meu eterno e imortalizado eu de tempos passados.
E você, meu outro eu, que não sei de que tempo veio me visitar, mas que continuará em busca daquele futuro próspero que sempre almejei.
Que sempre me será guiado pela âncora perceptiva alçada pelo teu momento.
Em direção ao desconhecido, pela tua coragem e audácia.
Sigamos o caminho!
Sempre acompanhando um ao outro!
*Nota do Autor: Esse texto foi escrito como um desafio sobre a amizade entre um viajante no tempo e um imortal, quando quer que o viajante do tempo viajasse, o imortal estaria lá para atualiza-lo.