Insanity Seeker

A Loucura o leva à verdade, assim como a Verdade o leva à Loucura.


A coisa mais misericordiosa do mundo, creio eu, é a incapacidade da mente humana em correlacionar todo o seu conteúdo.
Vivemos numa plácida ilha de ignorância em meio a negros mares de infinito, e não está escrito pela Providência que devemos viajar longe.
As ciências, cada uma progredindo em sua própria direção, têm até agora nos causado pouco dano; mas um dia a junção do conhecimento dissociado abrirá visões tão terríveis da realidade e de nossa apavorante situação nela, que provavelmente ficaremos loucos por causa dessa revelação ou fugiremos dessa luz mortal rumo à paz e à segurança de uma nova Idade das Trevas.
H.P. Lovecraft

Futuro insólito

fevereiro 8th, 2011 by Lordspy

   Os familiares e amigos visitantes de todas as partes se reuniam no ambiente. Todos com o triste sorriso ou com a alegre tristeza das memórias que sempre lhes serão deixadas e as compartilhavam, uns com os outros, enquanto prestavam suas últimas homenagens ao corpo daquela a quem lhes era tão querida.
   Dentre os familiares os filhos, não menos tristes que os outros e amigos, se perguntavam sobre que mistérios e surpresas poderia reservar o futuro à partir daquele momento. O mais novo, que de alguma forma representava a alegria e parte do carinho da família, aquele que ninguém jamais esperou se firmar, agora casado, traça seus planos para preservar o legado, enquanto que a mais velha, a querida intrusa, sendo confortada pela própria família, serve de anfitriã àqueles que vieram respeitar e honrar sua memória.
   Quanto ao filho mais velho, legítimo mais velho, mas o do meio na criação, que sempre fora considerado o cérebro dentre os três, já prevendo a situação a tempos e sendo confortado pelos amigos distantes, se preocupa agora com a contradição de um sentimento àquilo a que sempre se opôs. Apesar de buscar a liberdade do mundo para exibir aquilo que sabe e provar-se merecedor de tudo o que recebera, algo que sempre fora impossibilitado de realizar nesta cidade natal, sempre encontrava a segurança de um porto ao qual ancorar para se reabastecer novamente antes da nova jornada.
   E a partir de então, com alguns planos frustrados, sonhos despedaçados, amores perdidos e desperdiçados, se lançará numa nova e decisiva jornada rumo ao desconhecido, almejando o sucesso não apenas dele mesmo, mas também daqueles que quiserem o acompanhar na jornada, não desperdiçando munições, tampouco sendo misericordioso àqueles que o tentarem impedir.
Mas antes, a despedida… e para aqueles que até agora continuaram lendo, a história e homenagem fica agradavelmente insólita…
   Ao final do dia fomos ao penhasco, o sol se punha e as nuvens se prostravam como se grandiosas e numerosamente infinitas pilastras cúbicas indicando que sustentavam o céu. A grama, mais verde como nunca havia visto, cobria todo o campo, com exceção apenas das bases da encosta da passagem do desfiladeiro. Ouvíamos o som do bar do outro lado do campo, além das encostas, tocando uma melodia alegre. Provavelmente algum visitante estava por lá. Me lembro que ela me disse que queria uma festa nesse dia, mas como tudo se deu, não foi possível fazê-lo.
   Olho para trás e a jangada da grama estava ali. Era feita para deslizar pela grama, puxada pelo navio de campo. E o navio se aproximava. Chegava a hora de partir. Os familiares de fora estavam conosco. Eram os poucos que ficaram. Todos subiram no Navio, mas decidi ficar na jangada, sozinho, relembrando e no remorso de todas as inúteis discussões que um dia já tive, com o único intúito de conseguir me provar na vida, algo que a cidade jamais me deixara.
   A jangada fora presa no navio. Incrível como era possível ouvir a conversa de todos que ali estavam. Uma tia contava da participação dela em seu casamento e alguns assuntos hilários fez os outros rirem. Esbocei um leve sorriso, mas a noção de felicidade não conseguia me vir. Tampouco a de preocupação, mas a de nostalgia me inundava de forma a tentar esquecer todas as rusgas que aquele lugar me tinha, embora fosse impossível conseguir lembrar de realmente pensar em ser feliz por alí. Não que não tenha me divertido algumas ou várias vezes, mas essa noção, felicidade, apenas me era percebida quando saíamos do lugar.
   E deitado na jangada da grama, observava as pilastras que seguravam o céu, como chamei as nuvens no momento, por sua própria aparência, infindáveis em todas as direções, passavam por mim, qual como ruínas de um esquecido templo e se mantinham num belo movimento paralaxe, escondendo e revelando detalhes de cada coluna em uma harmonia vista apenas nos mais primorosos sonhos.
   Passamos pelo bar, poucas mesas, quase sem música… fechando. O ocaso nos acompanhava e o céu, já laranja queimado, quase vermelho, anunciava que a noite chegaria logo. Foi quando, já distante do bar, perto da curva da encosta rochosa, decidi que era hora de seguir o caminho.
   Olhando para aqueles que estavam no navio o aceno foi prontamente compreendido, não uma mensagem de adeus, mas de que quando nos encontrarmos novamente experiências e histórias fantásticas e aterrorizantes seriam contadas. E lhes transmiti a mensagem e sensação de segurança que sempre consegui e que sempre me irrito quando alguém a questiona ou a reforça. O silêncio,exceto pelo barulho do navio de campo e pelo soar do deslizar da jangada de grama, dominava o cenário quando cortei a corda com uma faca que apenas então percebi cravejada de preciosidades. E os observei, sendo observado, em silêncio, se distanciando no horizonte. E o céu já vermelho escuro, indicando em poucos minutos a escuridão, já não mais apresentava as nuvens como pilastras, mas a imagem lembrava um imenso rio em chamas, no horizonte para onde haviam partido.
   A jangada permanecia imóvel ao terminar de deslizar e sabia que a partir de então o caminho teria que ser feito à pé e sentado, olhando o caminho que fizeram, mal percebi a luz enquanto a difícil decisão para qual caminho tomar me inundava. Era tênue e de brilho levemente pulsante. Creio que se alternava entre vermelho, amarelo branco e azul, uma pequena esfera com um halo de mesma cor se aproximava de mim sorrateiramente, como se para dar um bote e ao vê-la, um belo e desejado desespero me imobilizou, tomando conta de mim como se na ansiedade para que aquilo ocorresse.
   E a esfera,tal qual água atravessa uma esponja, passou por mim, atravessou minha cabeça e subitamente o desespero, a nostalgia e a tristeza se transformaram em saudade e soube que era ela quem ali estava para garantir que por mais incerto que fosse, o futuro estaria reservado a mim. Ao perceber isso a escuridão tomou conta do local, sendo parcamente iluminado pela luz de uma fraca lua minguante e das estrelas que refletiam e em suas vestes a amplificavam para que eu pudesse vê-la e alcançá-la uma última vez para, com lágrima nos olhos e num terno e eterno abraço dizer para sempre “Me desculpe, minha Mãe querida. Te amo e sempre te amarei” e no final, no escuro, já sozinho, olhei pra frente o mundo que me esperava, abri os olhos, já na cama, cheio de lágrimas e decidi que, não importa o futuro, minha felicidade é o que sempre me quiseram e junto com meu bem estar, esses são os únicos compromissos que sei que devo assumir para ter a vida que sempre me foi desejada.


   Essa foi minha homenagem, o relato de um dos pouquíssimos sonhos que consegui lembrar em toda minha vida até o momento… para você, mas acredite, não será a última… O futuro a mim pertence e eu pertenço apenas a mim mesmo.

À memória de meus pais: Maria Cândida Teixeira de Godoy Domingues (*2/08/1954 +16/01/2011) e Anísio Domingues (*21/08/1944 +05/08/1998)

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